A morte não é o fim: o que vem depois que os olhos se fecham
A morte não é o fim: o que vem depois que os olhos se fecham
Uma das grandes perguntas que ainda não se tem resposta é: o que acontece depois que morremos? Embora não exista um consenso, as religiões trazem diferentes caminhos do que acontece depois.
Por Gabrielle Rodrigues
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27/11/2020
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Crenças espirituais estão intrinsicamente ligadas ao nosso Ser, ao nosso modo de pensar e, não é possível descolar a religião da cultura em que estamos inseridos. Não é raro nos depararmos com pessoas devotas ao cristianismo, que se apresenta de forma massiva em nosso país. Entretanto, existe um leque de crenças muito maior com relação à espiritualidade ou como se encontrar com ela.
Ainda assim, de acordo com um dado levantado pelo IBGE, os católicos representam metade da população brasileira, seguido pelos evangélicos que são 31% e espíritas, 10%. O levantamento ainda mostra as religiões de matriz africana com um percentual de 2% e judaica com 0,8%. Porém, pouco se fala sobre o paganismo em geral.
“Por que Deus está em uma igreja e não está em um terreiro de umbanda?”, esse foi um dos questionamentos que levou Ramanat Águia Dourada, hoje Xamã da Tribo do Amor, a buscar na ayahuasca e no rapé, as respostas que nenhuma religião conseguia lhe oferecer.

Ramanat cantando seus hinários durante ritual. Foto: Rede social – Ramanat Águia Dourada/Reprodução
Desde pequeno, Ramanat sentia uma forte ligação com a espiritualidade e, por isso, frequentou diversas igrejas, mas sem êxito de preencher um vazio espiritual. Em seu relato, ele contou que acabou se envolvendo e se viciando em drogas, precisando ser internado três vezes. Por isso, sua mãe pediu por ajuda de um amigo da família e que era próximo de Fernando Dini, que estava à frente do Céu Sagrado, conhecido por ser uma igreja que usa o santo daime, reabilitando viciados. Esse foi o caso do líder espiritual, que está há mais de 20 anos consagrando o chá e livre das drogas.
Ayahuasca
A ayahuasca, ou como é mais conhecida, o santo daime, é um chá enteógeno, ou seja, substância alteradora da consciência que induz ao estado meditativo, feito através de duas matérias primas, sendo o cipó, mariri ou caapi, e a folha, chacrona ou rainha, como é chamada no Brasil. Também conhecida como huasca, esse chá é usado em diversas culturas e religiosidades a fim de buscar o autoconhecimento, a evolução espiritual e o contato com a divindade.
A palavra “ayahuasca”, de origem indígena, seria traduzida como “vinho dos mortos”. Isso porque, os que consagram a bebida, acreditam que seja uma experiência de quase morte, liberando DMT no organismo, substância que produz uma sensação parecida com experiências de quase morte através de “mirações, em que as pessoas começam a ter visões e experiências de vidas passadas”.
De acordo com o terapeuta da alma, essa substância é o diferencial entre a huasca e o santo daime. “A força dele – santo daime – é diferente da ayahuasca. Ele trabalha mais no físico por ter mais mariri. Já o DMT trabalha na parte espiritual”, explicou o entrevistado.
Durante a conversa com Ramanat, ele explicou que a produção do chá passa por diversos processos que vão ser determinantes na hora de ingerir a ayahuasca. “Depende da preparação. Assim, você vê a quantidade que toma. Geralmente, toma-se, de primeira dose, 75ml homens e de 55 a 60ml mulheres. Mas depende da massa muscular de cada um”, informou o Xamã. De acordo com ele, outro fator que pode trazer resistência ao chá, além da massa corporal, é o uso de drogas.
“Eu vejo a ayahuasca como muito mágica, porque ela sabe como e onde atuar”, relatou Ramanat. O terapeuta explicou que pessoas participando de um mesmo ritual e com a mesma bebida, podem passar por experiências completamente diferentes, “tocando e curando cada um” de forma a trabalhar as individualidades.

Foto: Banco de dados Unsplash
De acordo com a cultura Shanenawa, Epã Iripã, Deus indígena, passou uma mensagem para seus filhos de que visitaria as tribos falando suas respectivas línguas e passando conhecimento. Na data marcada, Epã Iripã foi até os povos e, à meia noite, ele explicou como fazer o rapé, informação que foi passada de geração para geração como medicina sagrada. Além dessa, existem diversas outras histórias a cerca da criação da chamada “medicina da jiboia”.
O rapé, muito utilizado pelos índios e peruanos, é o pó do tabaco que é soprado no nariz com a finalidade de alinhamento dos 7 chakras, que são centros de energias espalhados pelo nosso corpo. Eles são compostos pelo coronário, frontal, o chakra laríngeo e o cardíaco. Além disso, ainda existe o chakra plexo solar, o umbilical e o chakra básico.
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Coronário: localizado no topo da cabeça, atua na espiritualidade, autorrealização e transcendência;
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Frontal ou Terceiro Olho: localizado na testa, responde pela intuição, compreensão espiritual e clarividência;
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Laríngeo: localizado na garganta, é responsável pela expressão e comunicação;
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Cardíaco: localizado próximo ao coração, atua nas emoções, devoção, amor, compaixão e perdão;
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Plexo Solar ou Umbilical: localizado no umbigo, age sobre a tolerância, controle e autoestima;
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Sacral: localizado na pelve, responde pela energia sexual, criatividade e relacionamentos;
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Básico: localizado entre o ânus e o órgão genial, é responsável pela segurança, vitalidade, sobrevivência e conexão com o mundo material;
“Eu vejo o rapé como uma ferramenta maravilhosa dentro de uma ritualística”, e continuou “Quando ele é assoprado, ele ativa o terceiro olho, passa para o coronário, desce para o kundalini – energia adormecida que se refere a nossa iluminação espiritual – e vai subindo. Então nesse movimento que o rapé vai fazendo, ele vai trabalhando os chakras”.
Ele ainda explicou que apesar do rapé ser utilizado em cerimônias em que se usa a ayahuasca, cada medicina tem seu momento. “Nós não trabalhamos com dois professores na mesma sala de aula, então primeiro nós trabalhamos com a ayahuasca e, lá na frente, quando a força está começando a dar aquele pico, a gente pede licença para a ayahuasca para entrar em um ritual, seja do tabaco, do cachimbo que a gente usa, ou do rapé”, explicou o entrevistado.
Outras medicinas de destaque
O cachimbo é o tabaco junto a outras ervas naturais utilizado para curar o corpo físico e espiritual e entoar uma oração. Entretanto, em conversa com Ramanat, ele explicou que existe uma forma correta de fazer uso dessa medicina. “O cachimbo não se ‘traga’ – termo que significa aspirar a fumaça para os pulmões –, você coloca na boca e solta. Existe toda uma ritualística, então se você traga, é um desrespeito com a medicina”, informou o líder espiritual.
Além disso, existe a sananga, também utilizada pela Tribo do Amor, que é um colírio extraído das raízes de uma planta amazônica, e serve para limpar o canal ocular e o chakra do terceiro olho.
Religiosidade, xamanismo e autoconhecimento
Em seu processo de autodescobrimento com a ayahuasca, Ramanat conheceu o xamanismo, uma filosofia de vida ligada à natureza. “Nas cerimônias eu encontrei todas as respostas que eu sempre busquei. Então a ayahuasca me mostrou que Deus estava em tudo e em todos, desde uma folha de árvore, até o maior elefante da terra. Ele está dentro de nós”, relatou o terapeuta da alma.
“É como se fosse um espelho. Aquilo que eu olho no outro, é o meu reflexo”. Essa é uma das lições que ele levou para a vida, de que existe motivo para o incomodo que sentimos uns pelos outros. Para Ramanat, essa sensação é o reflexo de questões ainda não curadas dentro de nós mesmos.
Terapias da alma como cura do corpo físico
Segundo o Xamã, cuidar da alma é de extrema importância para o corpo físico. “A doença se manifesta primeiro no espírito e depois na matéria. Quando a doença atinge o espírito, ela começa a dar sinais, seja insônia, dor de cabeça, alguma coisa está acontecendo no corpo da pessoa”, contou Ramanat.
Ele ainda narrou um fato que aconteceu, em que “quase todo trabalho com ayahuasca, ela mostrava problemas de saúde”. “Naquela época, eu tinha uma bactéria no estômago, que se você não trata, tudo o que você ingere, te dá azia. Mas eu não sabia. Então eu tomava remédio, atacava meu fígado, eu tomava três ou quatro remédios para dor de cabeça”, contou o entrevistado que acabou desenvolvendo uma pedra no rim. Após vários sintomas que se desenvolveram para manifestar que algo estava em desacordo em seu corpo, Ramanat apresentou complicações que o fizeram perder a vesícula “por causa da teimosia”.
A “limpeza” é uma grande aliada nesses processos. Apesar de ser incômoda por se manifestar através de vômitos, diarreias, choros, entre outras coisas, é de suma importância. “É como se você tomasse um líquido que se transformasse em uma serpente que vai percorrendo todas as partes do seu corpo. Chega em alguma parte que não está legal, ela vai te dando um mal estar, de repente você vomita, faz a limpeza e tira uma carga energética espiritual que está começando a entrar no campo físico”, explicou o líder espiritual.
Entretanto, ele ressalta a necessidade do acompanhamento médico. “As vezes, aquela coisa pequena, que a pessoa poderia resolver apenas com uma pequena consulta ao médico, para poder fazer um exame completo, se agrava”, falou o terapeuta da alma.
Medicinas espirituais como recreação
De acordo com o Xamã, um grande erro é usar a ayahuasca em festivais de música eletrônica. “Essas pessoas usam a ayahuasca como se fosse uma droga, e não com intuito espiritual”, e continuou “É um grande desrespeito”.
Ele ainda citou os rastafáris para falar sobre o uso da cannabis de forma recreativa. “Esse grupo usa a cannabis, mas de forma espiritual, para rezar. Eles leem a bíblia quando eles usam. Então isso eu acho legal. Agora, quando a coisa parte para outro caminho e perde a sua essência, aí eu já não acho correto”, concluiu Ramanat.
Experiências transformadoras
Não foi apenas Ramanat que teve a vida mudada pela ayahuasca e por medicinas espirituais. Rebeca Queiroz (20) “sentiu o chamado” do chá aos 16 anos, após assistir a um relato de uma experiência com a huasca. Entretanto, foi aos 18 anos que ela decidiu que realmente era hora de começar a se aprofundar e testar a medicina. “Comecei a procurar casas xamânicas pra fazer a consagração, mas sempre era muito longe ou muito caro. Por indicação eu encontrei uma casa em Sorocaba por um preço acessível”, revelou a jovem que consagra há dois anos.

Rebeca durante um ritual individual e com auxílio da cura do fogo. Foto: Arquivo Pessoal/Rebeca Queiroz
Para ela, a ayahuasca representa mudança. “A princípio é sempre muito complicado. Antes dessa experiência eu era bem irresponsável e perdida em mim mesma. Eu não sabia o que eu queria fazer”, e continuou “Eu não queria simplesmente entrar em qualquer faculdade só pra agradar as outras pessoas. Eu queria fazer algo que realmente me tocasse. E eu me encontrei dentro de rituais com as medicinas. O seu Ser inteiro se abre e, quando você volta, apesar de não estar mais na força das medicinas, o seu Ser ainda está aberto. Não tem como fechar de novo. A forma como você olha as coisas e a forma como você se relaciona com tudo, muda”.
Perguntada sobre religião, Rebeca afirmou que não segue e nunca seguiu nenhuma. “Uma coisa que pra mim é muito importante dentro da espiritualidade e que eu prezo acima de qualquer doutrina, é a liberdade. Você poder se expressar e caminhar dentro desse caminho com liberdade é a melhor coisa pra mim. Sigo apenas com o amor”, contou a entrevistada.
“As medicinas trazem a luz às coisas que não podíamos ou não queríamos ver antes. Continuo a dizer que não é fácil de primeiro momento, você se olhar e tirar sua própria máscara é muito difícil”, avaliou Rebeca.
Segundo a jovem, as pessoas se vestem de um personagem quando saem de casa, e a ayahuasca e o rapé “tiram toda essa roupagem e te colocam nu na sua frente”, e continuou “Elas te limpam e vão curando as feridas abertas, às vezes com amor e às vezes na dor também, mas é tão importante quanto. Tenho muita gratidão por esse caminho que já me ensinou tanto em tão pouco tempo”.
Quem também segue esse caminho, é o jovem Eric Antunes (25), que dentro de sua tribo empossa o nome de Koriï Pequeno Rio. Consagrando há mais de dois anos, ele conheceu a ayahuasca através de pesquisas por medicinas holísticas e “plantas de poder”. “Pesquisei como funcionava um ritual com o chá e quais efeitos curativos a medicina tem. Casou com as minhas necessidades e resolvi conhece-la, de fato”, relembrou Koriï.

Korii Pequeno Rio à direita se preparando para receber o rapé soprado por Mahonri Coruja Branca. Foto: Arquivo Pessoal/Eric Antunes
Como relatou Rebeca, Eric confirmou que o autoconhecimento não é um processo fácil. “Tive que rever e reconhecer processos e problemas que eu mesmo deixei acumular na minha vida”, e continuou “Assim, eu consegui entender as questões que me cercam e que são além da vida material”.
Koriï Pequeno Rio informou que não segue nenhuma religião, entretanto, se reconheceu na espiritualidade em uma crença semelhante à doutrina espírita e ressaltou que, assim como qualquer remédio, nem todas as pessoas se encaixam em determinados tratamentos. “Consigo reconhecer vários benefícios relacionados a problemas que eu tenho, como ansiedade e depressão. Mas, como nem tudo são flores, vejo que muitas pessoas utilizam as medicinas como ‘muletas’”, concluiu Eric.
A ayahuasca sofre inúmeras críticas por ser considerada uma droga. Entretanto, todas as substâncias indicadas nessa reportagem têm uso legalizado, sustentado pelo reconhecimento de que a ayahuasca, o rapé, o tabaco e a sananga são medicinas espirituais.
Vale esclarecer que nem todas as pessoas podem se utilizar dessas substâncias. Portanto, para a consagração dentro das tribos é necessário conhecer seu histórico médico para preencher um formulário. É contraindicado o uso da ayahuasca para pessoas com diagnóstico de transtorno de personalidade, esquizofrenia, transtorno bipolar, borderline, TOC, síndrome do pânico ou histórico de surtos psicóticos. Já para pessoas sem essas características, podem buscar nessas medicinas o autoconhecimento e o contato com sua espiritualidade.