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A beleza que existe naquilo que não nos cabe mais

“Não é que a gente se ama o tempo todo, é que entendemos que esse ódio não é natural e luta contra tudo que estamos querendo desconstruir”.

Por Laura Helena de Souza
27/11/2020

Gorda sim

A obsessão pela magreza  existe há muito tempo e para concretizar ainda mais o padrão, vários métodos de emagrecimento foram inseridos no cotidiano para que todas as pessoas de todas as idades consigam chegar ao ‘peso ideal’, mas o que acontece depois? A incansável procura  pela a liberdade do não julgamento é vivenciada todos os dias por milhares pessoas. Isso porque, em uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em torno de 2,3 bilhões de pessoas ao redor do mundo estão acima do peso,  o que torna a realidade de se olhar no espelho muito mais dolorosa. 

A Lume conversou com algumas mulheres gordas que já sofreram com padrões estéticos, preconceitos em seu longo caminho de autoconhecimento e amor próprio, elas contam como o amor e a paciência fizeram delas pessoas mais fortes.

“O incômodo dos outros é o que mais assusta”, para Bruna Talpo, estudante de história pela UNESP, as pessoas sempre encontram um jeito de falar do peso. “ É sempre uma conversa de ‘Você é tão bonita de rosto, porque não emagrece? Porque não corremos juntas? A gente pode emagrecer ‘ essas são algumas frases que mais ouço, e dentro delas fica perceptível o incômodo constante das pessoas com o meu peso, com o que eu visto, com o quanto eu como, a gente sente isso nos olhares, porque nunca é para melhorar para mim, e sim para melhorar a visão do outro sobre mim” , ressalta Bruna.

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Bruna em 2018 no Lollapalooza. Foto: Arquivo Pessoal/Bruna Talpo

Bruna, que segue vertentes femininas há anos, diz que nunca se considerou Plus Size, e que foi a dificuldade de crescer sofrendo pressão de todos os lados (em casa, na escola, dos amigos etc) que fez ela se aceitar e começar a respeitar melhor os seu corpo hoje. “Durante a adolescência, desenvolvi distúrbios alimentares e distopia de imagem, tudo devido a essa vivência hostil de vida, quando o assunto era meu peso e aparência, coisas que graças a muitos anos de terapia consigo hoje manter sob controle e enxergar de maneira diferente do que via na época”.
 

O corpo gordo é um assunto que vem sendo pautado nos últimos anos, com o intuito de trazer mais naturalidade ao assunto para aqueles que fogem dos tamanhos P, M e G. Mas não são todas as marcas que entram nessa luta pela igualdade, ainda dentro da moda, o que se preza é o corpo magro, alto e sem cicatrizes aparentes. Mas o quanto essa estética padrão aflige as pessoas e o seu cotidiano? Mais do que pensamos.

Para Isabella Rodrigues, 26 anos, estudante de Marketing, ser gorda foi um motivo de vergonha por muitos anos. “Sempre senti muito por ser gorda, principalmente internamente. Desenvolvi uma péssima relação com meu corpo e com nove anos já sofria com transtornos alimentares. Minha família, por não saber lidar com uma criança gorda, me fez acreditar que eu era a culpada pela violência que sofria dos outros, então passei anos acreditando que tudo seria melhor se eu fosse magra. Na adolescência passava dias sem comer, desenvolvi depressão, transtorno de ansiedade e fobia social. Mesmo passando por tudo isso e me sacrificando ao máximo, nunca cheguei pesar menos que 90Kg”, ressalta.

O transtorno alimentar está presente em vários aspectos na vida de uma pessoa acima do peso, a doença pode fazer alterações severas no corpo e no psicológico, o que pode acarretar um emagrecimento extremo (bulimia) ou até mesmo uma obesidade mórbida. Mas a doença tem tratamento psicológico que pode ajudar na lição diária da autoaceitação com seu próprio corpo. Além disso, grupos de apoio são essenciais para compartilhar experiências parecidas entre as pessoas.

Isabella conta que foi a partir de um grupo no Facebook que descobriu como lidar com a gordofobia, porque viu em muitas pessoas, a mesma situação que ela passava. A partir daquele momento, com conversas e ajuda psicológica, ela começou a se conhecer melhor dentro de seu próprio corpo.

“Em 2013 descobri um grupo no Facebook que falava sobre gordofobia, tinha 19 anos. Pra mim foi uma virada enorme. Li tudo que encontrei, entrei em outros grupos, me cerquei de pessoas gordas que estavam passando pelo mesmo que eu. Enxergar as problemáticas e ver outras pessoas gordas foi me ensinando a olhar para mim mesma. Não parei de tentar emagrecer de um dia pro outro, mas as coisas foram mudando aos poucos. Um certo dia percebi que eu me amava quando estava sozinha, o que me ajudou bastante a perceber que meu problema nunca tinha sido comigo e sim com como as pessoas me tratavam por eu ser gorda”.

Empoderamento através da internet

Passar por problemas como a gordofobia e o preconceito fez com que Isabella quisesse contar sua própria história e inspirar outras pessoas. Foi durante essa ideia que ela criou o Gorda Inspo, um Instagram criado para colocar relatos de pessoas que passam por qualquer tipo de problema que tenha a ver com o peso. Atualmente, Isabella recebe muitos depoimentos e os compartilha com seus milhares de seguidores. Além disso, o perfil também dá dicas de moda que possam inspirar pessoas gordas a se vestirem como elas se sentem à vontade.

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Captura de tela: Instagram - @gordainspo/Reprodução

“Quero que todo mundo possa se enxergar ali, então sempre que recebo relatos de pessoas que começaram a se olhar com carinho por causa do projeto, que se sentiram bonitas por se identificarem com as fotos, eu me sinto muito orgulhosa e confiante do meu trabalho.  É como se pela primeira vez eu estivesse fazendo algo certo. Além disso o GordaInspo mudou completamente meus objetivos profissionais, sinto que finalmente encontrei meu caminho, pelo menos por enquanto”.

Mas nem sempre foi fácil, ela também relata a dificuldade de viver pela internet e ter que lidar com comentários negativos vindo de muitas pessoas, mas ela conta que aprendeu a conviver com o julgamento. Uma de suas dicas é introduzir o ensinamento para aqueles que são desrespeitosos, porque um corpo gordo não significa um corpo não saudável.

“As pessoas ainda não lidam muito bem quando alguém aponta seus preconceitos, principalmente as que se dizem desconstruídas, por isso, uma lição diária e ouvir o que precisa ser ouvido, aprender o que precisa ser aprendido e ignorar aquilo que não nos serve”, relata Isabella.


Saúde não significa ser magra

De acordo com o nutrólogo Dr Francisco Coutinho, ser uma pessoa magra não significa estar com a saúde plena como estar acima do peso nem sempre é um problema. Ele explica que Embora a base da constituição física comece na genética, a maior parte dos fatores que levam um indivíduo a ter ou não uma boa saúde está ligada aos hábitos adotados durante a vida.

“Pessoas magras não estão livres de ter colesterol alto ou diabetes, como pessoas acima do peso também podem apresentar estigmas saudáveis. Para se ter uma vida com saúde, seja com qual corpo for, o ideal é fazer exercícios e ter uma alimentação balanceada. São essas pequenas ações que fazem todo corpo ganhar nutrientes necessários para ter uma vida tranquila e sem resquícios de doenças”, finalizou.

 


Se a vida te der  limões, faça uma limonada

Pesando mais de 80kg desde que tinha 17 anos, Maria  Angélica dos Santos aprendeu a superar os comentários negativos que a cercavam por conta do seu peso e usou ele como forma de expressão. A modelo trabalha há 6 anos no ramo e conta que foi a partir da foto tirada por um amigo que começou a se interessar mais pela moda.

“Quando meu amigo me fotografou ele nem imaginou que me apresentaria ao mundo plus size e ao meu autoconhecimento para chegar ao amor próprio, desde lá experimentei as melhores sensações, tanto no trabalho, quanto em sociedade. Aprendi a ser mais forte e afastar da minha vida quem não fica perto de mim por conta do meu peso”, ressalta.

Para Angélica nem sempre foi fácil, ela conta que sofreu muito com o preconceito e olhares negativos sobre ela durante boa parte de sua vida, ela ainda relata que alguns comentários muitas vezes fizeram com que ela acreditasse que fosse uma pessoa inferior por ser gorda. “Viver nessa sociedade preconceituosa sempre foi muito difícil pois recebemos críticas imensas sobre o nosso corpo diariamente. Esses comentários podem vir de pessoas de nossa família ou convívio social quanto de pessoas que não nos conhecem, e elas não tem noção do quanto cada comentário pode acabar afetando a vida de alguém. 

De acordo com a psicóloga Ana Laura Monteiro, o preconceito pode causar diversos transtornos psíquicos permanentes nas vítimas, como transtornos corporais e alimentares, o que também pode ocasionar em síndrome do pânico ou ansiedade. “Muitas vezes, as vítimas acabam colocando muita importância nos comentários que vem do estigma social que é a gordofobia e faz com que a vítima se sinta inválida, diminuindo aquilo que ela é de verdade”, afirma a psicóloga.

Angélica compartilha seu trabalho pela sua conta no instagram. Além de postar suas fotos, ela sempre pauta por meio de storys vários posicionamentos sobre o movimento ‘Corpo Livre’

 

Movimento Corpo Livre

O movimento Corpo Livre foi criado pela youtuber Alexandra Gurgel. Ela criou a ação de para mostrar a outras pessoas de maneira simples e objetiva como praticar o ato do autocuidado diariamente. Dentro de seus relatos, Alexandra compartilha sua história com a balança e sua luta contra doenças psíquicas causadas pela gordofobia. O movimento ainda fala sobre Body Positive mostrando para outras pessoas que seus corpos, da forma que são, fazem as pessoas serem reais. O movimento abraça todas as diferenças, logo, pessoas gordas, magras, mulheres ou homens, todos são bem vindos.

 

Alexandra é responsável por levar seu conteúdo para as redes sociais, onde já tem mais de 900 mil seguidores, além de palestras em eventos. Ela ainda é autora do Bestseller ‘Pare de se Odiar’, que vendeu mais de 300 mil cópias.

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Alexandra Gurgel é pioneira no movimento Corpo Livre. Foto: Arquivo Pessoal/Alexandra Gurgel
 

Para se inspirar

Um meio de se aceitar é compartilhar vivências com outras pessoas que possam ter passado pelo mesmo que nós. Mas existem aqueles que sabem pegar todos esses momentos difíceis e transformar em grandes aprendizados.

Muitas mulheres aprenderam a compartilhar as suas vidas por meio das redes sociais para encorajar outras mulheres a se aceitar da forma que são.

Aqui listamos algumas delas:

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Captura de tela: Instagram - @jessicalopes/Reprodução

Jéssica Lopes, é uma digital influencer sulista que conta com mais de 400 mil seguidores. Ela traz por meio de seus posts, dicas de moda, beleza e empoderamento para mulheres gordas. Jéssica ainda têm um canal no youtube chamado Femme Fatale By Jeh onde se encarrega de trazer pautas necessárias sobre corpos, body positive e encorajamento para que pessoas possam de aceitar.
 

  • YouTube
  • Instagram
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Captura de tela: Instagram - @todebells/Reprodução

Isabela Trad é uma modelo e digital influencer que conta com mais de 100 mil seguidores em suas redes sociais. Ela traz sua vivência com o corpo gordo para falar sobre Body Positive.

  • Instagram
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Captura de tela: Instagram - @biancabarroca/Reprodução

Bianca é maquiadora e digital influencer. Ela traz para os seus 60 mil seguidores, várias inspirações de como valorizar o seu corpo, seja ele da forma que for.

  • Instagram
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Captura de tela: Instagram - @thaiscarla/Reprodução

Thais Carla é digital influencer, dançarina e youtuber. Ela fala sobre sua luta contra a gordofobia e usa seu espaço para falar sobre moda com todos os corpos.

  • Instagram

A pressão social para atingir corpos perfeitos é o que desencadeia a intolerância ao diferente, por isso, está na hora da mudança começar, e ela precisa ser feita por todos nós, superando nossos medos e mudando nossas atitudes. Talvez isso seja o que realmente salve o mundo”, finaliza Alexandra.

A gordofobia mata muito antes de chegar no ato, ela começa com cada comentário ou olhar, cada pensamento negativo e indiferença entre aqueles que não sabem compreender que todos têm a escolha de ser quem são.

Isso poderia ter acontecido com a Bruna, Isabella, Angélica ou Alexandra. Comentários negativos acerca do corpo de alguém não fazem as pessoas mais magras, muito menos fazem elas pertencerem a padrões que não as cabem.

Entre ser ou não ser, deve existir uma linha tênue de respeito, empatia e afeto entre as pessoas. Ninguém sente na pele o que você passa, como você também não entende o problema do outro, o que muda de verdade, é a forma que enxergamos e lidamos sobre aquilo que não diz respeito a nós.

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